sábado, 1 de junho de 2013

"Portugal" e "Feira cabisbaixa" de Alexandre O'Neil

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
Linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
muinho a braços com o vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial, a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjetivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendario na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plastico, que era mais barato!

"Feira cabisbaixa"

doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há "papo de anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço,
Portugal; questão que tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado, feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...

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